127 horas
Fui assistir
ao filme ontem. Vi ao trailer e a história
pareceu boa: uma história real sobre um cara que vai explorar um canyon, cai
numa fenda, fica com o braço preso e não tem como pedir socorro porque não
disse a ninguém para onde ia. São 127 horas da tensão psicológica que me atraiu
para assistir.
No
geral, o filme é bastante bom. Quer dizer, 1 ator, uma fenda e uma rocha por duas
horas e eu não fiquei entediada! Excelente nesse sentido. Claro, nós vemos mais
algumas pessoas porque ele se lembra da família, dos momentos que viveu e dos
quais não vai viver porque acha que vai morrer, além de ter visões de como
seria o seu futuro se saísse vivo dali. Na verdade, parece com alguma outra
história de alguém que também ficou preso sozinho em algum lugar, mas dessa vez
foi diferente. Essas idéias, pensamentos, visões que ele tem são desconexas,
perdidas na mente confusa e assustada de alguém entre a vida e a morte. A
tensão psicológica até aparece, é claro, mas de um jeito novo e um pouco mais
realístico, eu imagino.
E,
acreditem ou não, se consegue rir durante tudo isso. O cara tem um humor negro
ótimo, um jeito meio negação meio depressão de encarar a morte que, embora seja
terrível, faz o expectador parar de sofrer e esperar sempre o pior e encarar a
coisa com certa conformidade, assim como ele mesmo estava tentando.
Claro,
tem a parte do filme que precisa fazer dinheiro. Uma cena particularmente
brilhante é o advertising do Gatorade. O cara está lá, a água está acabando,
ele começa a guardar a própria urina para beber depois e então ele começa a
viajar em pensamentos, atravessando mentalmente o deserto até chegar ao próprio
carro onde deixou um Gatorade. E aí a cena corta pra ele podre, sedento e
doente e, no outro lado da tela, o Gatorade geladinho, dentro do carro,
esperando para ser bebido. Moral do filme? Nunca esqueça seu Gatorade, ele pode
salvar sua vida! Muito bem feito, todos os comunicadores deveriam ver pelo
menos essa parte e aprender a como divulgar um produto do jeito certo.
Tem
uma outra moral: não esqueça nunca seu canivete suíço em casa. Se você precisar
amputar o próprio braço, não vai querer fazer o serviço com algo made in China.
Sim, porque, claro, pra sair dali vivo, só deixando o braço preso pra trás.
Essa é a cereja do bolo. Aliás, uma bem feitinha – pelo menos a parte em que eu
estava de olhos abertos para assistir. Claro, como eu esqueci de tampar os
ouvidos, deu pra ouvir os gritos agoniados de dor e os ossos quebrando.
Tortura. Mas tortura bem produzida, especialmente na parte em que ele tem que
cortar os tendões. Terrível. Não levem
seus filhos ao cinema pra isso.
Aliás,
falando em razões pelas quais as pessoas não deveriam levar os filhos nem a si
próprias pra ver o filme – embora eu tenha falado bem dele até então –, há a
verdadeira moral da historia.
Quem
não quiser saber o final, pare por aqui.
Bom,
depois de ele cortar o próprio braço, ele faz o caminho de volta e é resgatado.
Ele sobrevive. Legal até aí, tanto porque eu não assisti ao filme pro cara
morrer, quanto porque é realmente satisfatório saber que ele sobreviveu. Ele
casa com a mulher com quem ele teve as visões na fenda e tudo! Lindo mesmo, uma
história de superação. Ele tem até um filho!
E
coloca um gancho no braço amputado pra continuar escalando.
Não,
ele não aprendeu nada.
E
o pior! Não aprendeu nada e ainda dá o péssimo exemplo pro filho! Sim, porque a
moral da história é: continue arriscando estupidamente a própria vida, você vai
dar sorte sempre, sobreviver sempre; basta nunca esquecer de avisar para onde
vai! Isso mesmo! Inclusive, no final do filme, a gente é até informado que ele
continua escalando, mas deixa um bilhete avisando pro caso de precisar de
socorro.
Que
alma obtusa faz um troço desses? O cara amputou o próprio braço, quase morreu e
continua arriscando. E dessa vez ele não está mais sozinho no mundo, ele tem um
filho! Uma criança que vai ficar sem pai porque o cara é um suicida (sim,
gente, fazer esportes radicais podem ser considerado um comportamento suicida!).
Eu quase entenderia a inconseqüência se ele nunca tivesse passado pela coisa
toda, porque aí o sentimento de onipotência estaria mais preservado, a ilusão
de “isso nunca aconteceria comigo” preservada. Mas não é o caso! Quantos avisos
de que isso vai matá-lo ele precisa?
Esse
filme é sobre uma pessoa de verdade e possivelmente reflete o caso de várias
outras. Honestamente, eu desejo o melhor pra ele e para os demais que arriscam
a vida por um pouquinho de adrenalina e algumas imagens bonitas que se acha no
Google. Mas parece que ele não deseja o melhor pra si mesmo; não parece que ninguém
que segue seu exemplo deseja. Um pouquinho mais de valor à vida faria toda a
diferença e talvez não influenciasse tanta gente a quase se matar. Talvez não
desse um filme, nem rendesse uma indicação ao Oscar e possivelmente o Gatorade
não patrocinaria, mas haveria menos obituários por aí, menos filhos sem pais e
bem menos sofrimento.
Bom,
talvez um dia...