As Sufragistas
Levou quase um mês inteiro para eu escrever uma
resenha sobre As Sufragistas após assistir ao filme. Pra ser bem honesta, ainda
não sei bem se o impacto do filme já passou ou se um dia vai passar. Doeu, doeu
muito. O filme é uma dose de realidade que se mostra mais triste por ainda ser
a realidade. Tudo bem, talvez no Brasil e em alguns outros países o direito ao
voto para as mulheres já esteja assegurado, mas isso não significa que a
mentalidade social sobre o papel da mulher e seus direitos tenha sido realmente
aceito. Assim, embora o filme trate da realidade em 1918, ainda é um assunto
contemporâneo.
O filme segue Maud, uma operária de uma
lavanderia, casada e com um filho. O brilhantismo do longa é, na minha opinião,
o fato de que Maud é uma moça comum, vivendo em uma sociedade que ela nunca
antes questionou. O filme é sobre o seu despertar – e por isso talvez seja tão
impactante. O despertar de Maud desperta quem se senta na cadeira do cinema
para presenciá-lo.
Maud trabalha desde criança em uma lavanderia e
seu salario é de posse de seu marido. Na época, mulheres não tinham o direito
de gerenciar seus bens. Estes eram de posse dos homens de suas vidas. Maud
nunca questionara isso. Também nunca questionara que devesse ser ouvida
politicamente, ou que devesse ter a guarda do próprio filho; nunca questionara
seus direitos de manter as próprias posses frente a uma separação conjugal ou
que pudesse denunciar os abusos de seu empregador. Por isso, talvez uma das
cenas mais incríveis do filme seja o momento em que, por um daqueles acasos da
vida, ela acaba tendo que defender o voto feminino, mesmo sem ter pensado muito
a respeito. Quando questionada sobre o porque de seu desejo, ela responde que é
quase inacreditável “pensar que possa haver outro jeito de viver essa vida”. Este
insight em frente a câmera, dito com tanta honestidade transmite um tipo de
emoção diferente, mais lúcida e inteira. Não é emocionalismo barato
cinematográfico, é a pura realidade expressa por alguém que finalmente entendeu
algo importante. Ah, quem dera o mundo já tivesse a maturidade de Maud!
O resto do filme se passa na “luta” pelo voto
feminino. Uso a palavra bélica de propósito, pois o próprio longa transmite a
ideia de que a busca pelo sufrágio fora longa e pacífica por mais de 50 anos,
antes de as manifestações tornarem-se violentas. Segundo Maud “a guerra é a
única língua que os homens entendem”. Isso também dói: a realidade de que ainda
temos dificuldade de obter direitos diplomaticamente, de que a humanidade ainda
acha que precisa de armas e fronteiras para conseguir o que quer. Maud ainda
deixa claro que “nós venceremos”, pois “as mulheres são metade da população
humana e não podem ser, todas, paradas”, mesmo que o filme mostre as diversas
formas de tortura utilizadas pelo contra-ataque masculino.
Para quem acha que feminismo é exagero,
desnecessário, e que o filme retrata o que foi o passado das mulheres na
sociedade, lembro que o passado ainda é presente em diversos países. Para quem
for ver o filme, recomendo ficar até os créditos, pois há uma lista de anos em
que o voto feminino foi aprovado nos países do ocidente, e os países em que
isso ainda não aconteceu. Para quem ainda achar que o Brasil está na frente, e
que não precisamos mais nos preocupar com problemas como os que Maud viveu em
1918, lembro de observar todos os casos de abusos arquivados pois as mulheres
foram incentivadas a retirar as queixas contra seus abusadores, ou a estúpida
polêmica do Enem, quando uma tentativa de mostrar um problema contemporâneo foi
considerada golpe político durante a qual boa parte das pessoas (homens e
mulheres) escreveram redações que violaram os direitos humanos.
Então, não, As Sufragistas não é apenas um
filme sobre o passado, é um filme sobre o presente: é um lembrete de que é
importante votarmos nas próximas eleições, mesmo que discordemos do processo
político do país, porque mulheres do mundo inteiro se esforçaram para nos garantir
esse direito hoje. É um filme sobre a necessidade de as mulheres (e homens)
seguirem na busca pela liberdade e por tantos outros direitos que ainda não
conquistamos. Acho que As Sufragistas dói, mais do que tudo, porque perto do
que elas tiveram que enfrentar para nos garantir o pouco que temos hoje, nós não
estamos fazendo muito para retribuir. Precisamos ser como Maud e despertar para
a realidade de uma vez por todas.