domingo, 31 de janeiro de 2016

As Sufragistas

Levou quase um mês inteiro para eu escrever uma resenha sobre As Sufragistas após assistir ao filme. Pra ser bem honesta, ainda não sei bem se o impacto do filme já passou ou se um dia vai passar. Doeu, doeu muito. O filme é uma dose de realidade que se mostra mais triste por ainda ser a realidade. Tudo bem, talvez no Brasil e em alguns outros países o direito ao voto para as mulheres já esteja assegurado, mas isso não significa que a mentalidade social sobre o papel da mulher e seus direitos tenha sido realmente aceito. Assim, embora o filme trate da realidade em 1918, ainda é um assunto contemporâneo.
O filme segue Maud, uma operária de uma lavanderia, casada e com um filho. O brilhantismo do longa é, na minha opinião, o fato de que Maud é uma moça comum, vivendo em uma sociedade que ela nunca antes questionou. O filme é sobre o seu despertar – e por isso talvez seja tão impactante. O despertar de Maud desperta quem se senta na cadeira do cinema para presenciá-lo.
Maud trabalha desde criança em uma lavanderia e seu salario é de posse de seu marido. Na época, mulheres não tinham o direito de gerenciar seus bens. Estes eram de posse dos homens de suas vidas. Maud nunca questionara isso. Também nunca questionara que devesse ser ouvida politicamente, ou que devesse ter a guarda do próprio filho; nunca questionara seus direitos de manter as próprias posses frente a uma separação conjugal ou que pudesse denunciar os abusos de seu empregador. Por isso, talvez uma das cenas mais incríveis do filme seja o momento em que, por um daqueles acasos da vida, ela acaba tendo que defender o voto feminino, mesmo sem ter pensado muito a respeito. Quando questionada sobre o porque de seu desejo, ela responde que é quase inacreditável “pensar que possa haver outro jeito de viver essa vida”. Este insight em frente a câmera, dito com tanta honestidade transmite um tipo de emoção diferente, mais lúcida e inteira. Não é emocionalismo barato cinematográfico, é a pura realidade expressa por alguém que finalmente entendeu algo importante. Ah, quem dera o mundo já tivesse a maturidade de Maud!
O resto do filme se passa na “luta” pelo voto feminino. Uso a palavra bélica de propósito, pois o próprio longa transmite a ideia de que a busca pelo sufrágio fora longa e pacífica por mais de 50 anos, antes de as manifestações tornarem-se violentas. Segundo Maud “a guerra é a única língua que os homens entendem”. Isso também dói: a realidade de que ainda temos dificuldade de obter direitos diplomaticamente, de que a humanidade ainda acha que precisa de armas e fronteiras para conseguir o que quer. Maud ainda deixa claro que “nós venceremos”, pois “as mulheres são metade da população humana e não podem ser, todas, paradas”, mesmo que o filme mostre as diversas formas de tortura utilizadas pelo contra-ataque masculino.
Para quem acha que feminismo é exagero, desnecessário, e que o filme retrata o que foi o passado das mulheres na sociedade, lembro que o passado ainda é presente em diversos países. Para quem for ver o filme, recomendo ficar até os créditos, pois há uma lista de anos em que o voto feminino foi aprovado nos países do ocidente, e os países em que isso ainda não aconteceu. Para quem ainda achar que o Brasil está na frente, e que não precisamos mais nos preocupar com problemas como os que Maud viveu em 1918, lembro de observar todos os casos de abusos arquivados pois as mulheres foram incentivadas a retirar as queixas contra seus abusadores, ou a estúpida polêmica do Enem, quando uma tentativa de mostrar um problema contemporâneo foi considerada golpe político durante a qual boa parte das pessoas (homens e mulheres) escreveram redações que violaram os direitos humanos.
Então, não, As Sufragistas não é apenas um filme sobre o passado, é um filme sobre o presente: é um lembrete de que é importante votarmos nas próximas eleições, mesmo que discordemos do processo político do país, porque mulheres do mundo inteiro se esforçaram para nos garantir esse direito hoje. É um filme sobre a necessidade de as mulheres (e homens) seguirem na busca pela liberdade e por tantos outros direitos que ainda não conquistamos. Acho que As Sufragistas dói, mais do que tudo, porque perto do que elas tiveram que enfrentar para nos garantir o pouco que temos hoje, nós não estamos fazendo muito para retribuir. Precisamos ser como Maud e despertar para a realidade de uma vez por todas.